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2.15 – Genocídio na Guatemala

A organização social e comunitária pós-terremoto demonstrou, por um lado, a capacidade do povo para se levantar da desgraça que lhe atendiam e a superação de qualquer obstáculo social em função do bem comum.



Este processo de organização social e popular gerou como resposta por parte do Estado uma campanha sistemática de repressão nacional para silenciar as organizações de protestos populares, perseguindo e tachando a Igreja dos pobres de comunista e desmantelando os movimentos da guerrilha que vinham fortificando-com mais firmeza e desenvolvido em várias regiões do país.



No massacre de Panzós, Alta Verapaz, no dia 29 de maio de 1978, foram assassinados mais de 100 indígenas. Era o indicador das políticas que o governo estaria disposto a desenvolver. Neste contexto de massacres se abre outro período de repressão mais cruel sob a direção do Estado militar, comandado desde 1978 pelo "novo" general Romeo Lucas García. Analistas consideram e qualificam este período, "no qual se incrementou a repressão e o surgimento de uma nova onda de terror, como o mais terrível que a Guatemala viveu".



Na segunda-feira, 29 de maio de 1978, cerca de 700 indígenas das aldeias de Cahaboncito e Chichipate, marchavam para o vilarejo de Panzós, a 300 quilômetros da capital da Guatemala, para pi-otestar contra ameaças de expulsão de suas terras por parte dos latifundiários.



Prontas para entrar em ação, as tropas do Exército tentaram impedir a entrada dos manifestantes na cidade. A repressão resultou na morte de cem pessoas e no ferimento de outras tantas. Muitos dos sobreviventes procuraram se refugiar nas montanhas, temendo serem assassinados.



Os bispos guatemaltecos pediram que fossem recolhidos os testemunhos de quem sofreu a guerra civil. A versão do governo era outra: os soldados atuaram em defesa própria. Como acontece em muitas outras comunidades indígenas da Guatemala, as famílias não possuíam documentos de propriedade das terras, mas vinham trabalhando nelas há mais de cem anos.



Meses antes do massacre, o governo outorgou títulos de propriedade a fazendeiros e pequenos agricultores sobre áreas indígenas. Essas terras tornaram-se particularmente cobiçadas quando nelas foram descobertas importantes reservas de níquel e petróleo. OS novos "donos", com o aval do governo, partiram para as ameaças e maus tratos contra as comunidades indígenas da região, para que abandonassem suas terras. O caso do vilarejo de Panzós não é isolado. Desde 1960, vêm se repetindo fatos similares envolvendo várias comunidades indígenas da Guatemala.


A guerra civil causou a morte de 200 mil guatemaltecos, o desaparecimento de outros 40 mil, a perseguição de 150 mil refugiados no México, a "deportação" de mais de um milhão de índios para as chamadas aldeias-modelos, e a devastação de 440 vilarejos indígenas.


A guerra civil da Guatemala foi uma das mais cruéis e prolongadas do continente.


Exclusão social - A grande maioria da população do país é indígena. Somente os Maia representam mais de 60% da população, sendo que 95% deles são camponeses.



A Guatemala conta com cerca de 10 miIhões de habitantes: 2% dos grandes proprietários possuem 72% das terras cultiváveis, enquanto 80% da população vive abaixo do nível de pobreza e 40% abaixo do nível de miséria. Nessa conjuntura, os indígenas encontraram-se sempre no olho do furacão social, em sua eterna reivindicação pelo direito à terra e à autodeterminação.


Os massacres em massa, perpetrados contra eles por parte do Exército, foram sistemáticos e exterminadores. Os termos "esquadrão da morte" e "desaparecido" nasceram na Guatemala.


O relatório "Guatemala: nunca mais", organizado pela Comissão de Direitos Humanos da arquidiocese da Guatemala e apresentado no dia 24 de abril de 1998, revelou com absoluta precisão uma série de violações aos direitos humanos, registradas e documentadas entre 1960 e 1996. Trata-se de fatos que retratam somente em parte as violências sofridas por indígenas e militantes.


Os quatro volumes contam histórias de 3.893 desaparecidos, 5.516 torturados, 723 seqüestros, 5.079 detenções ilegais, 152 casos de estupro, 10.157 vitimas de atentados, 323 vítimas de outros abusos. Estima-se que ao longo de 35 anos de guerra civil tenha ocorrido mais de 422 massacres entre 1975 e 1995, e 192 em 1982. Segundo o Relatório "Guatemala nunca mais" que mostra os números da guerra civil que vitimou, principalmente, os indígenas




Os responsáveis por estes massacres foram:
· Exército: 67,5%


· Patrulhas de Autodefesa Civil (PAC): 23,5%


· Guerrilha: 3,16%


· Forças civis particulares: 2%


· Desconhecidos: 3,7% Além disso, 80% dos testemunhos do relatório dizem respeito ao período entre 1980 e 1983, 92% das vítimas do conflito pertence à população civil.



O conflito provocou:



· 150 mil assassinatos


· 50 mil desaparecidos


· 1 milhão de refugiados


· 200 mil órfãos




O Tribunal Permanente dos Povos, reunido em Madri (Espanha), de 27 a 31 de janeiro de 1983, sentenciou que as violações aos direitos humanos na Guatemala são juridicamente definíveis como graves porque se referem a direitos absolutamente fundamentais; sistemáticas porque correspondem a planos concretos de ação repressiva direta; maciças porque dirigidas a um elevado número de cidadãos, particularmente, indígenas; estruturais porque a ação culpada ou a reação cúmplice se estendem ao conjunto dos principais organismos do Estado".


Para esse tribunal, "os massacres indiscriminados dos indígenas, inclusive mulheres, anciãos e crianças, e a forma com a qual foram realizados, evidenciam a intencionalidade de destruir, totalmente ou parcialmente, a população indígena da Guatemala. Essas ações se caracterizam como crime de genocídio".


Com o general Efraim Rios Montt, que tomou o poder com um golpe de Estado em 1982, a campanha agressiva contra os indígenas se fez ainda mais feroz. Membro de uma Igreja evangélica, Rios Montt instaurou um Estado de terror em nome de uma cruzada para libertar o país do flagelo comunista, associado aos movimentos de guerrilha.


Apesar da violência e dos horrores sofridos, os povos indígenas foram capazes de resistir e criar diferentes tipos de organizações. Uma delas é o Comitê Nacional das Viúvas Guatemaltecas (CONAVIGUA), dirigido por Rosalina Tuyuc, hoje deputada indígena no Congresso. Vestindo o traje tradicional, Rosalina é maia cakchiquel. Seu marido desapareceu em 1985 e o pai foi seqüestrado em 1982.

"A minha história é parecida à de 70 mil mulheres na Guatemala", diz Rosalina. Organização e resistência - Para esta militante indígena, a experiência brutal da guerra teve um aspecto, por assim dizer, positivo: "Nos ensinou a resistir; se não tivesse sido pela resistência dos nossos povos, os mIlItares teriam exterminado a todos. Nós viúvas somos a cicatriz, o sinal mais claro da violência que sofremos. Agora nos organizamos não somente para sobreviver, mas também para buscar justiça".

Em 1992, a resistência do povo maia foi reconhecida. A guatemalteca Rigoberta Menchú recebeu o Prêmio Nobel pela Paz e tiro, a luta de sua gente do anonimato. Ao longo da guerra civil, muitos cristãos engajados (leigos, religiosos e religiosas, sacerdotes, missionários e missionárias estrangeiros) foram assassinados por forças ligadas ao governo. Os sucessivos regimes da Guatemala cultivavam a opinião de que entre os militantes católicos e os subversivos comunistas não havia grande diferença. A Igreja na Guatemala procurou aliarse aos pobres e indígenas.

Em 1989, a arquidiocese de Guatemala criou a Comissão de Direitos Humanos para oferecer assistência legal a muitas pessoas que a ela se dirigiam com o objetivo de denunciar graves violações dos direitos humanos por parte do governo.

A partir de 1994, foi lançado o Projeto Interdiocesano de Recuperação da Memória Histórica, que recolheu em três anos 6.500 testemunhos, relatando as atrocidades cometidas durante a guerra civil. Todo esse material foi publicado em quatro volumes e deu vida ao relatório "Guatemala: nunca mais".

Hoje, a Comissão de direitos humanos está engajada numa campanha de divulgação e de conscientização junto às comunidades indígenas sobre esse relatório. Continua prestando assessoria jurídica gratuita às vítimas e organizando cursos sobre os direitos humanos. Também vem se dedicando à exumação de cadáveres, à reparação psicossocial das pessoas traumatizadas e à resolução dos conflitos surgidos no rastro das pesadas conseqüências deixadas pela guerra.

Apesar de os acordos de paz tercem sido assinados em dezembro de 1996 entre a guerrilha e o governo guatemalteco, a violência e os conflitos ainda continuam. O episódio mais conhecido foi o assassinato do bispo Juan Gerardi, auxiliar da Arquidiocese da Cidade de Guatemala, ocorrido em 1998, dois dias depois de ele ter apresentado ao público o relatório "Guatemala: nunca mais". Gerardi chocou-se várias vezes com o Exército quando era bispo de Santa Cruz do Quiché. Em 1980, escapou de uma primeira tentativa de homicídio. Teve, porém, que optar pelo exílio. Apesar de os acordos de paz terem sido assinados em 1996, a violência e os conflitos continuam. Quando retornou ao país, assumiu a direção da Comissão de Direitos Humanos da arquidiocese.

Como no caso de outro bispo, Oscar Romero, de San Salvador, assassinado em 1980, Gerardi morreu por ter defendido os pobres e os indígenas. Morreu defendendo a verdade. Mártires - Ameaças, perseguições, assaltos a sedes, militarização das instituições civis e coação à liberdade de expressão são comuns na Guatemala.

Em maio de 2002, a freira estadunidense Barbara Ann Ford foi assassinada. Ela era colaboradora direta do bispo Gerardi. O fato é que um grupo de investigadores das Nações Unidas na Guatemala documentou 171 casos de ameaças, perseguições e ações violentas contra os defensores dos direitos humanos e dirigentes indígenas, entre junho de 2000 e junho de 2001. Concluiu também que se tratava, mais uma vez, de uma ação sistemática. Ameaças, perseguições, assaltos a sedes, militarização das instituições civis e coaçáo à liberdade de expressão são comuns na Guatemala.

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